Sumário: 1. Enquadramento Histórico – Cultural. 2. O Quadro Jurídico – legal. 2.1.
O Código Penal e as Leis 9/89 e 6/99. 2.2. A Lei n.º 3/14. 3. A Alta Autoridade contra a Corrupção. 4. Contexto Prático do Combate à Corrupção. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.
1. Introdução
Estes escritos são o resultado do ainda preliminar projeto de investigação do femonemo da corrupção em Angola, em desenvolvimengto no Centro de Investigação do Direito da faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola. Decidimos colaborar , na já avançada maturidade investigativa e processual com o Brasil, para demonstrarmos que as vezes quando pensamos que o estagio da nossa realidade é desencorajador, nessecitamos de olhar ao redor para perceber e compreender como andam as demais realidades que nos são proximas, como é o caso da Lusofonia que nos liga e os demais laços culturais entre as nossas duas nações.
O projeto que se desdobra em distintas direções e modalidades de pequisa (qualitativa e quantitativa ) ee incluem estudos de casos que não pode adicionados ainda dada a situação processual dos mesmos. No essencial, o conteúdo destas nótulas representam a compleição da recolha e analise preliminar e intervenções que o Centro tem vindo a fazer desde 2017. Assim, procuramos numa linguagem
cuidada, simples e acessível a qualquer cidadão que queira compreender as origens, causas, dificuldades suscitadas em torno do fenómeno da corrupção em Angola. Este texto é assumidamente um chamaris para trabalhos em curso e publicações futuras em torno do entendimento e complexidade da corrpução em Angola, bem como do silêncio e ausência de investigação e processos desde 1975. Porque vivemos momentos delicados no País, a vários níveis e, em particular no sistema de justiça, pilar de qualquer Estado de Direito que se quer Democrático, pensamos que é importante que se comece a fazer estudos interdisciplinares e 1 Benja Satula – Director Geral do Centro de Investigação do Direito da Universidade Católica de Angola – CID – UCAN e Doutorando em Ciências Jurídicas Criminais /Bangula Quemba – Investigador do CID – UCAN e Mestre em Ciências Jurídicas Criminais. Dialogos geracionais para que os estudos e analises em torno deste fenomeno contribua para a sua melhor compreensão e se encontrem soluções legislativas adequeadas para a sua solução.
É urgente que se assuma este problema de frente e se encontrem soluções para evitar maiores danos ao nosso já frágil ordenamento jurídico. È bem sabido que o nosso Estado é um “Estado Fraco” e a nossa democracia é “débil”, por isso a academia tem a responsabilidade de contribuir de forma assertiva e forte para inverter este quadro, aproveintando o nivel de abertura e dialogo institucional que as autoridades tem estado a demonstrar. A abordagem não incluirá nenhuma referência bibliografica sobre corrpução, porque inexistente em Angola e a
investigação quer demonstrar e desenhar um caminho primeiro sobre este fenomemno e assumir-se como publicação primeira e ponto de partida para as demais. Por isso compreende o regime jurídico na sua globalidade, i.e., o regime preventivo e repressivo, desde logo, a legislação substantiva complementar que em vigor e a nossa leitura sobre a corrupção: o controverso labirinto desta prática “agridoce”.
2. Enquadramento Histórico – Cultural.
A análise e compreensão do fenômeno da corrupção em Angola pode ser feita em dois momentos. Antes da independência e depois desta. É depois da independência que vamos situar a nossa reflexão sobre a corrupção. Angola foi proclamada como país independente a 11 de Novembro de 1975, pelo Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA e, é este movimento que mais tarde se tornou Partido – EStado, que tinha assumido a responsabilidade de erguer, construir Angola, como Estado recém independente. O problema da corrupção e má administração nasce com País e no “seio do MPLA.” que naturalmente, como movimento que governava o País acabou por alastrar noutros sectores da sociedade.
Como bem sublinha Mabeko-Tali(Mabeko-Tali: 2018), o M.P.L.A. depois da independência era formado por duas tendências ou grupos. Pelos “quadros da guerrilha” que vinham das matas e aqueles “quadros da cidade”. Deste modo, estes quadros da cidade “tomaram de assalto um aparelho de estado e um aparelho produtivo e administrativo que se haviam tornado muito permeáveis, pois estavam agora privados da maior parte competências coloniais. (…) Foi dessa nova camada de quadros do partido-estado que nasceu a pequena burguesia burocrática da jovem república. Esta burguesia engrossou depois rapidamente com a aquisição de novos elementos oriundos das modestas camadas da sociedade africana, que passaram por fulgurantes ascensões sociais. Estes últimos, frequentemente com um nível de instrução médio ou muito baixo, subiram rapidamente os degraus hierárquicos por via do militantismo e do clientelismo que depressa se instalou no
sistema administrativo”. O mesmo autor refere ainda que “alimentado pelo discurso populista de certos dirigentes do MPLA, o fenômeno da ascensão administrativa por via do militantismo contribuiu, por um lado, para a rápida degradação dos valores da competência no trabalho administrativo e na gestão do aparelho produtivo, por outro lado, engendrou uma luta hegemónica que rapidamente tomou por base um discurso populista de carácter racista, resultante das lutas pela ocupação dos lugares e a delapidação do património global legado pela organização. O. fenômeno da corrupção alastrou, portanto, com grande rapidez, a todos os sectores produtivos.”
2. O Quadro Jurídico – Legal.
2.1. O Código Penal, as Leis n.º 9/89 de 11 de Dezembro e 6/99 de 3 de Setembro.
A República de Angola, como já fizemos referência tornou-se independente a 11 de Novembro de 1975 e, por força da Lei Constitucional de 1975, no seu artigo 58º dispunha que “As leis e regulamentos atualmente em vigor serão aplicáveis enquanto não forem revogados ou alterados e desde que não contrariem o espírito da presente lei e o processo revolucionário”. É deste modo e por esta via que continuou a vigorar em Angola o Código Penal de 1886, herdado de Portugal.
O Código Penal (de 1886) criminalizava nos artigos 318.º e 321.º os crimes de peita, suborno e corrupção de empregado público e corrupção ativa. Estas disposições que vigoraram até 1989 altura em que foram revogados pela Lei n.º 9/89, de 11 de Dezembro, Lei dos Crimes Contra a Economia, lei esta que foi revogada pela Lei n.º 6/99 de 3 de Setembro, Lei das Infrações contra a Economia e passou a regular-lhes nos artigos 48.º, 49.º e 50.º. Em 2003, entrou em vigor a Lei n.º 13/03 de 10 de Junho, derrogatória da Lei n.º 6/99 de 3 de Setembro e revogou os artigos 17.º a 50.º da Lei n.º 06/99, de 3 de Setembro, remetendo a consagração destes crimes (corrupção, suborno, infidelidade e administração danosa, entre outros) num futuro diploma que nunca chegou a ser aprovado.
2.2. A Lei n.º 3/14 de 10 de Fevereiro.
O vazio legislativo aberto em 2003, pela Lei n.º 13/03, ficou superado com a aprovação da lei no ordenamento jurídico angolano, da Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro (Lei sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais). Em verdade, esta lei (3/14) é um capítulo específico da Proposta de Código Penal, já aprovada pela Assembleia Nacional de Angola em Janeiro de 2019, que foi autonomizado por exigência das avaliações a que Angola foi sujeita no âmbito da luta contra o branqueamento de capitais e combate do financiamento ao terrorismo que entendeu que não existia em Angola a criminalização de um conjunto de crimes de catálogo como exigiam os instrumentos e directivas internacionais de que Angola era parte.
A lei n.º 3/14 tem por objecto condutas criminosas inexistentes e/ou deficientes na ordem jurídica angolana, visando responder de forma eficaz ao dever de legislar resultante de obrigações internacionais assumidas por Angola. A lei é aplicável a todos os factos ocorridos em território nacional – princípio da territorialidade – e a todos os factos praticados por angolanos ou contra angolanos ou interesses de Angola, independentemente do território – princípio da nacionalidade passiva e activa. Define e consagra os seguintes
grupos de comportamentos:
São infracções subjacentes ao branqueamento de capitais (artigo 55.º) todos os factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão que tenham duração mínima igual ou superior a 6 meses.
Para além, dos princípios especiais que consagra, prevê os crimes em especial e estão distribuídos por trinta e três artigos, agrupados em seis capítulos. Capítulo II: Associação criminosa, fraude na obtenção de subsídio, desvio de subvenção, subsidio ou crédito bonificado, fraude na obtenção de crédito, fraude fiscal; fraude fiscal qualificada e fraude contra a segurança social. Capitulo III: Sequestro, Rapto, tomada de reféns, escravidão e servidão, tráfico de pessoas, tráfico sexual de pessoas, lenocínio; lenocínio de menores, tráfico sexual de menores. Capitulo IV: Tráfico de armas e tráfico de bens roubados e outros Capitulo V: Falsificação informática, contrafação de moeda, falsificação ou alteração de moeda legítima, passagem e colocação em circulação de moeda falsa ou falsificada, fabrico e falsificação de títulos de créditos, utilização de títulos de créditos falsos ou falsificados. Capitulo VI: Agressão ao ambiente, poluição e poluição de perigo comum.
É neste sentido que surgiu a Lei n.º 3/14, publicada em Diário da República a 10 de Fevereiro, no seu artigo 63.º (entrada em vigor) dispõe que a lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação (10.05.2014). A razão deste período dilatado pretendeu-se com a sensibilidade das condutas criminalizadas e da necessidade da comunidade adaptar-se a ela.
Deste modo, a Lei n.º 3/14, de 10 de Dezembro, de entre outras condutas, no Capítulo VII (Crimes de corrupção), consagra os seguintes crimes de corrupção:
– Artigo 36.º (Recebimento indevido de vantagem);
– Artigo 37.º (Corrupção passiva);
– Artigo 38.º (Corrupção activa);
– Artigo 40.º (Participação económica em negócio);
– Artigo 41.º (Tráfico de influência).
– Artigo 42.º (Corrupção no domínio do comércio internacional).
Importa realçar que à excepção do crime de corrupção (passiva e activa) que já tinham vigorado na ordem jurídica angolana e depois revogados, as demais condutas, designadamente: tráfico de influência, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negocio e corrupção no domínio do comércio internacional foram consagrados pela primeira vez, em Angola, pela Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro.
Assim, nos termos da legislação em vigor no ordenamento jurídico angolano a corrupção pode ser activa ou passiva e têm a seguinte definição:
Ao abrigo do artigo 37.º da Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro, a corrupção traduz-se na solicitação ou aceitação, para si ou para terceiro, por parte do funcionário ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, de vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação (Corrupção passiva).
A (Corrupção activa), nos termos do artigo 38.º – consiste em dar ou prometer por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, a funcionário, ou terceiro por indicação ou com conhecimentos daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com a finalidade indicada no n.º 1 do artigo 37.º (para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação).
Destes dois conceitos legais de corrupção (activa e passiva) têm o mesmo elemento subjectivo que é o dolo geral/genérico em todas as suas modalidades, isto é, directo/intencional, necessário e eventual.
No Crime de corrupção passiva, a penalidade é de 1 a 5 anos de prisão. Mas se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com a pena de prisão de 6 meses a 3 anos de prisão. No Crime de corrupção activa, a penalidade é de 1 a 5 anos de prisão.
Importa observar que, nos termos do artigo 39.º, estas penalidades podem ser agravadas em função do valor da vantagem: assim se a vantagem no crime de corrupção passiva ou activa for superior a kwanzas 100.000.000.00 a penalidade é agravada em quarto nos seus
limites mínimo e máximo; se for superior a kwanzas 10.000.000.00, a penalidade é agravada em um terço nos seus limites mínimos e máximos.
O critério geral para determinar a penalidade, é o da culpabilidade do agente previsto no artigo 84.º do Código Penal.
É importante de igual modo sublinhar que a corrupção enquanto crime subjacente ao branqueamento de capitais já existia no Código Penal (de 1886) adotado por Angola a quando da independência a 11 de Novembro de 1975. Em 1999, a Lei n.º 6/99 de 3 de Setembro, Lei das Infrações contra a Economia revogou os crimes de corrupção e suborno do Código Penal e passou a regular-lhes nos artigos 48.º, 49.º e 50.º. Em 2003, entrou em vigor a Lei n.º 13/03 de 10 de Junho, Derrogatória da Lei n.º 6/99 de 3 de setembro e revogou os artigos 17.º a 50.º da Lei n.º 06/99, de 3 de Setembro, remetendo a consagração destes crimes (corrupção, suborno, infidelidade e administração danosa, entre outros) num futuro diploma que nunca chegou a ser aprovado. Assim, apenas com a Lei n.º 3/14, de 10 de
Dezembro se voltou a consagrar de forma clara o crime de corrupção em Angola. Por isso, os “crimes de corrupção” praticados entre 2003 até 9 de Maio de 2014 não eram consideradas infracções subjacentes ao branqueamento de capitais, nos termos da Lei n.º 34/11. De igual modo, os mesmos comportamentos e no mesmo período (2003 até 9 de Maio de 2014) não encontram amparo na lei 3/14 de 10 de fevereiro, justamente por ser proibida a retroactividade da lei in malem partem, considerando que a mesma entrou em vigor 90 dias após a sua publicação em Diário da República. Significa que os actos praticados entre 2009 a 9 de Maio de 2014, isto é, antes do dia 10 de Maio, não podiam ser abrangidos pela Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro, por não existir uma consagração legal como crime subjacente, e a lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro não pode antecipar a sua aplicação a factos praticados antes de começar a vigorar, pois entrou em vigor a 10 de Maio
de 2014.
Outro marco importante para a compreensão e punição da corrupção em Angola foi a aprovação da Lei de Amnistia (Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto). Esta Lei foi aprovada pela Assembleia Nacional no dia 20 de Julho de 2016 e entrou em vigor à data sua publicação em Diário da República no dia 12 de Agosto de 2016.
A Lei de Amnistia foi aprovada no quadro das comemorações do Quadragésimo Primeiro Aniversário da Independência Nacional de angola com a finalidade geral de conceder a todos os cidadãos privados de liberdade novas oportunidades políticas e sociais de reintegração pessoal e familiar, bem como para significar uma viragem no estado de actuação quer dos funcionários públicos, quer dos cidadãos em geral, sinalizando uma nova era na forma de ser e estar em Angola, não só, por causa da independência, como também a preparação de uma nova abordagem governativa e social como a transição de uma gestão de 38 anos, para uma nova era.
Relativamente ao âmbito e objecto da lei da amnistia, é o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto, (Lei da Amnistia), que delimita o seu âmbito e objecto ao dispor que a lei da amnistia abrange todos os crimes comuns puníveis com pena de prisão até 12 anos, cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros até 11 de Novembro de 2015. E para completar e clarificar o seu âmbito, o artigo 3.º, da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, trouxe uma cláusula de exceção, dispondo claramente sobre que crimes é que não estavam cobertos por ela.
A cláusula de exceção (artigo 3.º, da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto) dispõe que não estão abrangidos pela presente lei:
a) Os crimes dolosos cometidos com violência ou ameaça a pessoas de que resultou a morte ou quando esta, não tendo ocorrido, tenha havido o emprego de arma de fogo;
b) Os crimes de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, punidos com pena superior à prevista na alínea a) do artigo 8.º da Lei 3/99 de 6 de Agosto – Lei sobre o Tráfico e Consumo de Estupefacientes, Substâncias Psicotrópicas e Precursores;
c) Os crimes de tráfico de pessoas e órgãos de seres humanos;
d) os crimes previstos nos artigos 392.º a 395.º do Código Penal, designadamente o estupro, a violação, a violação de menor de 12 anos e o rapto violento ou fraudulento;
e) Os crimes de promoção e auxílio à imigração ilegal.
Nos termos do artigo 1.º, da Lei da Amnistia todos os crimes, não incluídos no seu artigo 3.º, e que tenham uma penalidade cujo limite máximo da moldura seja igual ou inferior a 12 anos de prisão (artigo 1.º, da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto) estão amnistiados, desde que praticados até ao dia 11 de Novembro de 2015.
Ora, a amnistia nos termos do artigo 125.º, do Código Penal é uma causa de extinção do procedimento criminal e da pena. A amnistia incide sobre o crime e/ou sobre o comportamento do agente afetando a punibilidade. O Código Penal vai mais longe e defende a retroatividade da amnistia, prevalecendo, inclusive, sobre o caso julgado. A Constituição da República de Angola consagra a irreversibilidade da amnistia.
O que fica dito quer significar que a amnistia extingue o procedimento criminal (anulando o próprio crime) e, no caso de já ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena principal como das penas acessórias.
Assim, nos termos consagrados no Capítulo VII da Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro, o crime de corrupção e todas as figuras afins constantes no mesmo capítulo têm a penalidade entre 1 a 5 anos, por um lado, por outro lado, o n.º 1 do artigo 1.º, da Lei n.º 11/16 de 12 de Agosto, Lei da Amnistia consagra como estando abrangidos pela amnistia todos os crimes cujo limite máximo da moldura penal seja 12 anos, deste modo o crime de corrupção (activa ou passiva) mesmo quando agravado em ¼ ou 1/3 foram abrangidos pela Lei da Amnistia, desde que cometidos até 11 de Novembro de 2015.
3. A Alta Autoridade contra a Corrupção
A Alta Autoridade contra a Corrupção é a primeira instituição criada pelo Estado, junto da Assembleia Nacional, através da Lei n.º 3/96 de 5 de Abril, para o combate a corrupção.
No seu preâmbulo justifica-se a criação da referida instituição nos seguintes termos: “ a necessidade de modernização e transparência dos atos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como dos titulares dos órgãos de soberania e de garantir que os sinais exteriores de riqueza possam ser efetivamente controlados, nomeadamente, através da obrigatoriedade de declarações de bens e rendimentos, de
molde a inspirar a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e considerando a necessidade de Assembleia Nacional no exercício da sua função fiscalizadora, assumir a coordenação e direção do combate contra as práticas e omissões que possam ser consideradas atos de corrupção ou fraude de delitos contra o Património Público 2 , no exercício abusivo de funções públicas ou quaisquer outras lesivas
dos interesses públicos ou da moralidade da administração.”
O artigo 1.º define a Alta Autoridade contra a Corrupção como sendo “um órgão independente que funciona junto da Assembleia e tem por objetivo desenvolver ações de prevenção, de averiguação e de participação à entidade competente para a ação penal ou disciplinar dos atos de corrupção e de fraude cometidos no exercício de funções administrativas.”
Quanto ao âmbito (artigo 4.º) estabelece que a lei “aplica-se às ações e omissões praticadas contra o Património Público, e as resultantes do exercício abusivo de funções públicas ou quaisquer outras lesivas dos interesses públicos ou da moralidade da administração, cometidas pelos agentes da Administração Pública, das Forças Armadas, da Ordem Interna, das Instituições Públicas, das Empresas Públicas, das Concessionárias de Serviços Públicos e ou de exploração de bens do domínio público, incluindo as praticadas pelos titulares dos órgãos de soberania (…).”
Dentre as várias competências da Alta Autoridade contra a Corrupção, destacam-se: 1.
a) (…) 2 Sublinhado nosso.
b) Promover a realização de inquéritos sindicâncias, diligências de investigação ou outras para averiguar da legalidade de determinados atos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas.
c) Fiscalizar, a licitude e a correção dos atos administrativos que envolvam interesses patrimoniais, nomeadamente, a adjudicação de empreitadas de obras públicas e de contratos de fornecimentos de bens ou serviços, de aquisição e de alienação de bens patrimoniais ou de pagamento de indeminização, de importação ou exportação de bens ou serviços, de outorga ou recusa de créditos e de perdão de dívidas.
d) Remeter à Procuradoria Geral da República os processos de natureza criminal.
4.O Contexto Prático do Combate à Corrupção.
O contexto prático e atual do combate à corrupção deve ser analisado em dois momentos: de 11 Novembro de 1975 a 26 de Setembro de 2017 e 26 de Setembro de 2017 a presente data.
No primeiro período (11 de Novembro de 1975 a 26 de Setembro de 2017) foi o período mais negro da história de Angola no que ao combate a corrupção diz respeito. Foi um período marcado pela corrupção generalizada e pela impunidade, por um lado. Por outro lado, quase que não existiam processos crimes quer em instrução preparatória quer em juízo (tribunal) para julgamento. A razão fundamental era mais política do que jurídica:
(i) Política porque a teia de influência em torno do Presidente da República era tão estreita que ninguém chegava ou assumia posição de liderança sem o seu consentimento. Esta dependencia servia por um lado para estar as ordens e puder executar ou viabilizar pagamentos para pessoas, organizações ou para o partido politico – MPLA. Lembrar que tendo sido instaurada uma República Popular (1975 – 1991), em 1992 foi inaugurada uma fase de multipartidarismo de partido hegemónico – MPLA, lgo tudo era preciso para fortalecer o Partido, desde financiamentos diretos de Ministérios e sector empresarial público até á ocultação de atos de gestão ruinosa e corrupção praticada por Ministros, Secretários de Estados ou Gestores de empresas públicas, com o único objetivo de “não
fragilizar” o partido; (ii) Só residualmente seria um problema jurídico que atados às estruturas do poder, o Procurador Geral da República – conforme reza o seu estatuto organico desde 1979 até a data presente – recebe orientações diretas do Presidente da República, que é e sempre foi o centro nelvragico de toda ação governativa, por um lado e por outro a Magistratura judicial, era e é materialmente dependente do Poder do Presidente da República e atua segundo o interesse daquele, desde logo pelo fato de ser o Presidente da República quem indica o Presidente do Tribunal Supremo, escolhendo-os numa lista triplice recebida do Conselho Superior da Magistatura Judicial que é Presidida com pelo Presidente do Supremo e tem poderes disciplinares sobre os juízes. Qualquer ousadia de um magistrado era severamente contra-atacada com processos disciplinares, entretanto o Judicial, também nada faz se o Ministério Público, no que a corrupção diz respeito, nada
enviar para eles.
O período designado (26 de Setembro 2017 ao presente momento) sinaliza, primeiro, o fim do mandato presidencial de mais de 35 anos de José Eduardo dos Santos, e, segundo, dá início ao mandato de João Lourenço como Presidente de Angola, cuja bandeira principal para a sua eleição foi o combate a corrupção.
Assim, segundo dados apresentados no recente Discurso ao Estado da Nação (15 de Outubro de 2019), de 2012 a 2017 foram instaurados 18 processos inquéritos ligados a corrupção crimes conexos e de 2017 a 2019, 192 processos. 3
Actualmente o combate a corrupção e crimes conexos levanta muitos pontos de interrogação. Desde já, não há em Angola uma política global de Estado de combate a criminalidade, em particular a corrupção. A corrupção foi sempre vista numa perspectiva político – partidária e não de Estado. A Alta Entidade contra a Corrupção criada em 1996, nunca exerceu as suas funções, pois nunca tomou posse.
Em Dezembro de 2018 foi lançado o “Plano Estratégico de Prevenção e Combate à Corrupção da Procuradoria Geral da República – 2018 – 2022”, que integra outros sectores ( Ministérios da Justiça, Finanças, Interior e outros), cuja missão é “implementar os mecanismos de prevenção e combate à corrupção, promovendo uma cultura de transparência, integridade e
3 Fonte: Jornal de Angola, de 16 de Outubro de 2019, Ano 44. boa governação, que vise o desenvolvimento económico e social harmonioso do País.” Ainda consta do referido plano os seguintes objetivos:
a) Promover a integridade, transparência, cultura de prestação de contas, bem como melhorar os serviços na Administração Pública;
b) Promover o envolvimento da sociedade na prevenção e no combate à corrupção;
c) Intensificar a prevenção da corrupção e promover a integridade nos sectores empresariais público e privado.
Os problemas que se levantam em relação à Procuradoria Geral da República (PGR) como órgão director do referido Plano estão relacionados com a sua credibilidade e falta de confiança junto dos cidadãos e sociedade em geral. No período de maior corrupção e
impunidade em Angola é a mesma PGR que arquivava quase todos os processos de corrupção alegadamente “por falta de provas”. Também se questiona a sua seriedade devido a corrupção que há na própria PGR. Em suma, hoje, no que diz respeito a PGR enquanto entidade responsável do combate à corrupção estamos diante de um dilema que se resume na pergunta milenar “se os guardiões guardam o templo, quem guarda os guardiões.”
Para além destas inquietações constata-se, no geral, a falta de preparação técnico-científica
dos principais actores do combate a corrupção (polícia judiciária e Magistrados do Ministério Público) bem como dos Magistrados Judiciais. Dito de outro modo, o combate a corrupção tem sido visto como um fenômeno novo até então quase inexistente. A corrupção e crimes conexos, não fazendo parte dos chamados crimes tradicionais levanta problemas relativos à sua compreensão e operacionalidade. Verifica-se, igualmente, a falta de condições de trabalho, falta de recursos humanos em quantidade e qualidade, salários baixos e desatualizados face ao elevado custo de vida e desvalorização do Kwanza (nome da moeda nacional e oficial de Angola). Estas situações e outras constituem a nosso ver verdadeiros empecilhos para o combate a corrupção.
5.Conclusões:
1. O combate a corrupção e crimes conexos em Angola é um processo novo, pois nunca houve tal prática como acontece nos dias de hoje. Alias, sem exagero, a jovem nação angolana nasce em 1975 já com um problema grave, o da corrupção colonial e pós-colonial (que ainda perdura).
2. Necessidade de uma visão de Estado abrangente sobre o fenômeno corrupção, despartidarizando, deste modo, as soluções para seu combate.
3. Necessidade de dotar o País de uma Magistratura (Judicial e do Ministério Público) forte, indepedente (uma) e autonoma (outra) a fim de se combater de se encarar o fenomeno sem entraves e de forma objetiva e profunda;
4. Em muitos casos o País foi sacrificada em nome de uma postura “forte” e inabalavel do “partido hegemonico” que beneficiava com financiamentos indevidos de seus atos políticos e de suas campanhas, o que exigia mais dinheiro e solidifica a endemica corrupção.
5. Falta em Angola de estudos científicos multi-sectoriais sobre as causas da criminalidade e em particular da corrupção.
6. Falta de transparência sobre os dinheiros e activos recuperados no âmbito do processo de recuperação de activos, sobretudo da corrupção.
Bibliografia
1. BANDEIRA, GONÇALO S. DE MELO. Responsabilidade Financeira e Criminal.
JURUÁ, Editora. 2015.
2. NASCIMENTO, ADÃO DO. Corrupção, Improbidade Administrativa e Autarquias
Locais. Editora, BC, LIVTEC, 2018.
3. NACIONAL, IMPRENSA. Plano Estratégico de Prevenção e Combate à Corrupção. 2018-
2022.
4. NACIONAL, IMPRENSA. Lei Constitucional de Angola, 1975.
5. NACIONAL, IMPRENSA. Constituição da República de Angola, 2010.
6. SATULA, BENJA. Branqueamento de Capitais. Universidade Católica Editora, Lisboa
2010.
7. TALI-MABEKO, JEAN- MICHEL, MPLA – Perante Si Prórpio: 1960 – 1977,
Mercado de Letras, Lisboa, 2018.
Legislação:
1. Lei n.º 9/89 de 11 de Dezembro.
2. Lei n.º 3 /96 de 5 de Abril.
3. Lei n.º 6/99 de 3 de Setembro.
4. Lei n.º 12/10 de 9 de Julho.
5. Lei n.º 34/11 de 12 de Dezembro.
6. Lei n.º 3/14 de 10 de Fevereiro.