Entrou em vigor o novo Código Penal (CP) e Código de Processo Penal (CPP) no dia 11 de Fevereiro de 2021. Apesar de serem Códigos novos, bons e com muitos aspectos positivos, os mesmos apresentam em algumas matérias recuos e /ou retrocessos.
No que ao novo Código Penal diz respeito, um dos grandes retrocessos, não tenho dúvidas está relacionado com a reconsagração e manutenção das contravenções como infracção penal ao lado dos crimes.
A doutrina sempre qualificou as contravenções cujo “objecto e objectivo era a protecção dos interesses da Administração Pública como sendo ilícito penal administrativo em contraposição ao ilícito penal de justiça ou crime” (Taipa de Carvalho: 2018). Como muito bem diz (RAUL ZAFFARONI e JOSÉ PIERANGELI, 2009), a contravenção é “um direito penal de menor quantia.”, ou seja, entre crime e contravenção há uma relação de género e espécie.
Por razões que se desconhecem, o legislador reconsagrou as contravenções tipificando o seu regime substantivo no (artigo 7.º da Lei 38/20 de 11 de Novembro, que aprova o novo CP) e artigo 142.º e seguintes do novo CP), e regime processual (artigos 300.º, 437.º e seguintes do novo CPP).
Mais grave é o facto de o legislador ter ignorado a vasta legislação vigente no ordenamento jurídico angolano, onde infracções sem dignidade penal foram ou são elevadas a igual natureza que os crimes, como se as mesmas protegessem efectivamente bens jurídicos que reclamassem tutela penal. É o caso das infracções rodoviárias previstas no Código de Estrada (aprovado pelo Decreto – Lei n.º 5/08 de 29 de Setembro) que são qualificadas como sendo Contravenções (artigos 132.º, 134.º 135.º, 148.º e 178.º) e n.º 1 do artigo 67.º do novo Código Penal.
Em pleno século XXI, Angola sendo um Estado de Direito e Democrático ( artigo 1.º 2.º da CRA) e com um sistema administrativo mais ou menos “robusto”, a opção do legislador em qualificar as infracções rodoviárias como contravenções é, salvo o devido respeito, retrograda e igual a um Estado – Polícia e viola o artigo 57.º da CRA (princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação), o princípio da fragmentariedade e o mais elementar “princípio” da legisprudência que “ pressupõe e significa bom senso, racionalidade jurídica, coerência normativa, domínio da dogmática e da técnica legislativa em geral e do ramo do direito em que o legislador intervém em especial (…)” (Taipa de Carvalho: 2008).
A consequência dogmática – penal e prática que o legislador veio determinar desde o dia 11 de Fevereiro de 2021, com a entrada em vigor do novo CP e CPP é a INCOMPETÊNCIA em razão da matéria, da Polícia Fiscalizadora de Trânsito ou Polícia de Trânsito) para aplicar multas por infracções rodoviárias, competindo-lhe apenas a instrução do processo contravencional, isto é, “concluída a instrução preparatória, a entidade instrutora (Autoridade Policial) elabora uma súmula dos factos que imputa ao arguido e remete o processo ao Ministério Público junto do Tribunal competente (para acusar)” e se o Ministério Público entender que o processo está suficientemente instruído, apresenta-o ao juiz e este por sua vez ( o Juiz) se “ concluir que a acusação tem fundamento bastante, designa, imediatamente, dia para a audiência de julgamento. (n.º 1 do artigo 438.º; n.º 1 do artigo 439.º e n.º 1 do artigo 441.º todos do novo CPP). Este é em síntese o novo processo/procedimento contravencional em caso de violação de infracções rodoviárias.
Este novo procedimento no tratamento das contravenções rodoviárias passou a ser obrigatório, não se tratando por isso de um regime transitório, pois a Lei que aprova o novo CPP, não se refere a ele nas disposições transitórias. O perigo que existe é a incongruência entre a Lei e a prática, aliás, já era assim, mesmo na vigência do CPP de 1929, onde à luz daquele Código a Polícia Fiscalizadora de Trânsito era incompetente em e razão da matéria para aplicar multas, pois as contravenções tinham natureza penal e julgadas em processo de transgressão (artigo 66.º).
Assim, se o legislador tivesse cumprido e respeitado fielmente al. t) do artigo 165.º da CRA, criando um regime substantivo e adjectivo das contraordenações, evitaria submeter Magistrados do Ministério Público e Juizes a julgarem infracções rodoviária (como por ex: ultrapassagem proibida, estacionamento proibido, poluição sonora, e outras) todas sem dignidade penal e processual penal.
Concluindo é necessário e urgente que se transformem as transgressões e contravenções em contraordenações cujo “processo” já leva mais de dez anos de atraso, se partirmos do princípio que a CRA foi aprovada em 2010.
Termino perguntando, quid juris se o cidadão à luz do novo CP e CPP se recusar pagar multa por infracção rodoviária, aplicada por um Agente Fiscalizador de Trânsito.