1.Em Novembro de 2017, publiquei na Revista JURIS – PENAL e PROCESSO PENAL da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, um artigo sobre “Escutas Telefónicas: O caso de Angola”. No artigo publicado um dos subtemas abordados foi o “efeito – à -distância” também conhecido como “Teoria da Árvore Envenenada.” Com algumas alterações retomo novamente a reflexão do referido instituto tendo em atenção as implicações processuais que o mesmo tem no mediático caso “Luanda Leaks.”
2. O efeito – à – distância é a “transmissão da proibição da valoração do método proibido de obtenção de prova a todos os meios de prova que através dele são obtidos”. Significa que, se com base num meio (…) ilegal, se obtém certos meios de prova, para além destes caírem na referida proibição de valoração, todos os demais meios de prova que tenham sido obtidos com base, ou por efeito dos crimes, será também proibida a sua valoração, ou seja, os meios de prova, quer o primário quer o secundário, não poderão ser o suporte de fundamentação de decisões judiciais. (ANA CONCEIÇÃO: 2009).
3. A inviolabilidade da correspondência e das comunicações vem consagrada no artigo 34.º da Constituição da República de Angola (CRA), nos seguintes termos: 1. É inviolável o sigilo da correspondência e dos demais meios de comunicação privada, nomeadamente das comunicações postais, telegráficas, telefónicas e telemáticas. 2.Apenas por decisão de autoridade judicial competente proferida nos termos da lei, é permitida a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nos demais meios de comunicação privada.
4. No Código de Processo Penal em vigor em Angola, a “Teoria da Árvore Envenenada” vem consagrada a meu ver no § 1 do artigo 98.º, quando dispõe que : “As nulidades a que se refere este artigo anulam o acto em que se verificarem e os posteriormente praticados que elas possam afectar (…).” Embora a nulidade dos actos processuais seja diferente da nulidade de prova, o regime do primeiro é extensível ao segundo, sobretudo, no que diz respeito à transmissão da nulidade de prova aos actos que da mesma dependem ou que possam afectar.
5. Lembrar que, a teoria do efeito – à – distância (Teoria da Árvore Envenenada) foi desenvolvida pela primeira vez nos Estados Unidos da América, no caso Silversthorne Lumber & United States, em 1920. Porém a expressão só aparece na sentença do processo Nardone & United States, em 1939.
6.Na “Teoria da Árvore Envenenada” a questão que se coloca no essencial é saber se perante uma prova proibida, a proibição vale só para o meio de prova obtido directamente de modo proibido ou se também afecta os outros meios obtidos indirectamente através da prova.
7.Ora, para que a prova proibida contamine a restante prova é necessário que exista um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova (…). Assim, o apuramento do «efeito à distância» (…) da proibição da prova, ou melhor, dos “frutos da árvore envenenada” há-de, pois resultar de uma necessária ponderação do nexo que liga a prova proibida e aprova mediata dele resultante, de acordo com o princípio de que o “ o efeito à distância” da proibição da prova é tanto maior quando mais grave for a proibição da prova violada (…) (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE: 2008).
8.Olhando para caso “Luanda Leaks” alega-se que um Consórcio Internacional de Jornalistas teve acesso a mais de 715 mil documentos que revelam os negócios da Sra. Isabel dos Santos e que alguns deles destes terão sido praticados supostamente de forma ilícita. Após as revelações do Consórcio de Jornalistas, o cidadão português, Rui Pinto, fundador do “Football Leaks” que responde um processo crime em que é acusado de ter cometido 90 crimes (de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão), veio através dos seus advogados assumir a autoria da recolha e consequente fornecimento dos documentos ao Consórcio de Jornalistas.
9. Estes documentos (“meios de prova”), como consequência da “Teoria da Árvore Envenenada” e tendo em conta a forma como foram obtidos pelo Hacker português (Rui Pinto), que consistiu na violação do “sigilo da correspondência e de meios de comunicação” são liminarmente nulos. São provas proibidas porque foram obtidas de forma ílicita, não produzem qualquer efeito probatório. Servem apenas como “notitia criminis.” Em outras palavras, os referidos documentos são apenas informações que servem para dar início a um processo de investigação com objetivo desse determinar as circunstâncias concretas em que os factos foram praticados, seus autores e responsabilidade criminal.
10. A “Teoria da Árvore Envenenada” admite algumas excepções como é o caso da descoberta inevitável (inevitable discovery exception), que determina a aceitação das provas que “inevitavelmente” seriam descobertas, mesmo que mais tarde, através de outro tipo de investigação. Este o desafio que o Ministério Público tem.
11. Sobre a acção do Hacker português, Rui Pinto, visto por muitos em Angola e Portugal como “herói”, na verdade, como cidadão angolano, estranha-me a inação do Ministério Público, que mesmo sabendo, julgo eu, que os 715 mil documentos que sustentam a investigação jornalística “Luanda Leaks” foram obtidas de forma ilícita, violando a Constituição e demais legislação ordinária, não instaurou processo crime contra o Hacker que invadiu o “sistema informático” da Sonangol, principal empresa pública angolana e de soberania. Em Portugal Rui Pinto responde criminalmente no processo “Football Leaks”, significa que apesar da denúncia que fez sobre os esquemas de corrupção no futebol, o seu acto primário (o modo como obteve as informações) é ilícito e violadora de normas penais incriminadoras.
12. Entendo que apesar dos documentos “hakeados” contribuírem para denúncia/combate a má gestão do erário, o Ministério Público, enquanto advogado do Estado, da legalidade democrática e das suas instituições não deve manter-se inativa porque se trata de uma empresa pública e de todos angolanos.
13. Rui Pinto na minha opinião não é um “Whistleblowers”, ou seja, “Denunciante”. Aliás em Angola, não há no ordenamento jurídico, lei que protege e confere estatuto especial a um denunciante, por isso estar na inação é trata-lo como “herói” e um acto de fraude a lei.
15. Se o Ministério Público promover um procedimento criminal contra Rui Pinto não estará a fazer favor a nenhum cidadão angolano, mas apenas a cumprir com as suas competências estabelecidas na CRA (art.º 186.º) e dar um sinal claro a todos, que o combate a criminalidade, e a corrupção em particular, deve ser feito no estrito respeito da legalidade e demais normas que regem um Estado Democrático e de Direito.
16. Termino citando o Prof. Germano Marques da Silva “em Processo Penal (para descoberta da verdade material) nem pactos com o diabo, nem meios diabólicos para alcançar a prova.”
Viva Angola, viva o Estado Democrático e de Direito!