No dia 10 de Agosto de 2020, quando entrou em vigor o Decreto Presidencial n.º 212/ 20 de 7 de Agosto, ( Sobre a Actualização das Medidas Excepcionais e Temporárias a Vigorar Durante a Situação de Calamidade Pública Declarada por Força da Pandemia COVID – 19), não há dúvidas que umas das medidas mais discutidas foi e continua a ser até hoje, a quem prevista n.º 2 do artigo 4.º que determina o uso obrigatório de máscara facial no interior das viaturas particulares e a não utilização da mesma ou o uso seu incorrecto ser passível de uma multa que varia entre kz: 5.000, 00 ( cinco mil kwanzas) e kz 10.000, 00 ( dez mil kwanzas).
Como forma de garantir o pagamento da multa no caso de violação do n.º 2 do artigo retro mencionado, a Polícia Nacional tem “retido” cidadãos, conduzindo-os as Esquadras de Polícia como se tratassem de suspeitos de algum crime qualquer.
Não sei, se é por ignorância ou desconhecimento da natureza jurídica da infracção do n.º 2 do artigo 4.º da lei em apreço, o legislador esqueceu-se que se trata de uma transgressão administrativa cujo regime geral vem regulado na Lei n.º 12/11 de 16 de Fevereiro ( Lei das Transgressões Administrativas).
Nos termos, do regime geral previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º e nos n.ºs 1 e 2 artigo 18.º da Lei Transgressões Administrativas onde se insere (a obrigatoriedade do uso de máscara facial), atendendo a sua natureza, o procedimento é claro:
Em primeiro lugar, a autoridade policial, de inspenção, de fiscalização ou outra autoridade pública, logo que tome conhecimento de qualquer prática que configura uma transgressão administrativa, deve lavrar auto de notícia( documento que em termos gerais, e para caso, narra a ocorrência determinando o tipo de infracção, o dia, hora, local circunstâncias em que foi cometida, o nome, profissão residência do transgressor, etc. e assinatura do agente da autoridade que autua).
Em segundo lugar, comprovada a infracção, o cidadão (transgressor) é notificado para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da notificação proceder ao pagamento voluntário da multa, podendo ainda em função do caso e dentro do prazo do pagamento voluntário, mediante requerimento solicitar a entidade competente o pagamento da multa em prestações.
Estranhamente, sem fundamento, não sei se orientado ou previsto em algum regulamento qualquer, saldo o devido respeito, a Polícia Nacional, usando mais a “força” do que a “razão”, em nome do Estado de Calamidade Pública, subverteu o procedimento quer da autuação do cidadão quer do pagamento da multa, previsto na Lei n.º 11/12 de 16 de Fevereiro, introduzindo na prática a que chama de “retenção do cidadão” quando no mínimo deveria ser “identificação do cidadão para o pagamento da multa.”
Não sendo o Estado de Calamidade Pública, uma situação de excepção constitucional, os actos de “retenção dos cidadãos” que a Polícia Nacional tem estado a praticar não são apenas ilegais porque violam o procedimento regra, mas também inconstitucionais, pois violam os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação previstos no artigo 57.º da CRA e na Lei n.º 24 de Março de 2020 ( Lei de Bases sobre a Organização e Funcionamento da Polícia Nacional), como sendo os balizas para limitação ou restrição de qualquer direito fundamental por parte do Estado e actuação policial.
No caso do Dr. Sílvio Dala, a actuação dos Agentes da Polícia Nacional viola igualmente os princípios da razoabilidade e do bom senso, pois tratando-se de um Médico ou qualquer outro cidadão devidamente identificado inclusive o domicílio profissional é inconcebível “reter-lo” conduzindo-o a uma esquadra, para o cumprimento de uma multa de natureza administrativa, pois o mais sensato seria, no mesmo dia, ou, no dia seguinte os Agentes da Polícia encarregues pela execução da multa deixa-la em sua casa ou no seu local de serviço. Assim, funciona um Estado de Direito e Democrático e uma sociedade devidamente organizada!
O que aconteceu com o Dr. Sílvio Dala prova como o Estado está desorganizado chegando ao ponto de “reter” seus cidadãos em Esquadras Policiais, as vezes em mais de 24 horas, para o pagamento de uma multa administrativa, que por sinal nem sequer é convertível em prisão.
Um Estado que não tem e/ou atribui “números de polícia” para identificar onde vivem os seus cidadãos não deve usar tal desorganização contra o cidadão, mas sim a favor do mesmo.
O COVID 19, não deve ser usado para anular a Constituição e a Lei, e todos os princípios republicanos que norteiam actuação policial, chegando ao ponto de um cidadão morrer numa esquadra por causa de kz. 5.000.00 (cinco mil kwanzas).
Que seja aberto um inquérito e consequente procedimento criminal visando a responsabilização civil do Estado e criminalmente os seus agentes nos termos do artigo 75.º da CRA.
A família enlutada e a Classe dos Médicos, os meus sentimentos de pesar e total solidariedade. A Polícia Nacional deveria envergonhar-se!
EU SOU SÍLVIO DALA!