1.A Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro (Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal) completou no passado dia 18 de Setembro dois anos desde que foi aprovada pela Assembleia Nacional. Devido sua a importância no quadro dos direitos, liberdade e garantias fundamentais dos cidadãos, mais uma vez, decidimos trazer a reflexão a referida lei analisando, desta vez, os artigos que consideramos inconstitucionais e incongruentes.

Artigos Inconstitucionais:

1. Artigo 3.º (Fiscalização jurisdicional das medidas e coação)
O n.º 1 do artigo 3.º primeira parte atribui competência ao Ministério Público para aplicar medidas de coação ao arguido na fase de instrução preparatória. A questão que se levanta é saber que entidade nos termos da Constituição da República de Angola (CRA) e à luz da matriz processual penal acusatória tem competência para restringir direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos?

2.Ora, a CRA nos artigos 63.º e 64.º sobre esta matéria refere-se apenas em “magistrado competente” e “autoridade competente” não mencionando se é o Juiz ou o magistrado do Ministério Público que tem competência para restringir a liberdade dos cidadãos. Mas este é um falso problema, a nosso ver, pois não significa que a Constituição deixa um caminho aberto para até o magistrado do Ministério Público aplicar medidas de coação pessoal como se tratasse de uma competência partilhada. A este propósito PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Revista JURIS, Processo Penal e Direito Penal, 2016:119, de forma correctíssima considera que a “Constituição angolana, quando fala de restrição relativamente à liberdade, quer no artigo 63.º quer no artigo 64.º, menciona apenas magistrado “competente”, não fala de magistrado judicial competente. Portanto, poderíamos ser lavados a concluir que a Constituição daria cobertura à opção da lei 25/2015, no que toca ao domínio do Ministério Público sobre as medidas de coação. Mas esta interpretação (…) é baseada numa leitura errada da Constituição angolana, precisamente porque esquece o artigo 186.º, f) que é muito claro, e prevê que as garantias fundamentais dos cidadãos, designadamente no que diz respeito às restrições às liberdades, são asseguradas por um juiz. Ou seja, o que faltou nos artigos 63.º e 64.º da Constituição angolana sobeja e claramente do artigo 186.º, f). Não há dúvidas de que o legislador constituinte angolano quis que o domínio sobre as medidas de coação pessoal coubesse apenas a um juiz. Isto levanta, obviamente, um problema de compatibilidade entre o artigo 3.º da Lei n.º 25/15 e o artigo 186.º, f) (…) Dito de maneira mais clara, o artigo 3.º da Lei n.º 25/15 viola o artigo 186.º, f) da Constituição angolana, e, portanto, inconstitucional.”

3.O segundo argumento de razão prende-se com a matriz processual penal estabelecida na CRA. Não restam dúvidas que a CRA optou por um sistema processual penal de matriz acusatória (174.º e 186.º), “quem acusa não julga, quem julga não acusa,” conferindo ao Ministério Público a direcção da instrução preparatória do processo penal, a titularidade da acção penal e aos tribunais (Juiz) o poder de “dirimir conflitos de interesses público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática.”

4.Num Estado Democrático de Direito (artigo 2.º da CRA) e com um sistema processual penal de pendor acusatório, a intervenção do Juiz ocorre em todas as fases do processo penal sempre que se trata em acautelar e assegurar direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Explicando de outro modo, quando um cidadão é detido e lhe é aplicada uma medida de coação pessoal com excepção do (termo de identidade e residência) “cria-se”, no geral, um conflito entre o cidadão e o Estado representado pelo Ministério Público. Assim, o Ministério Público cuja vocação é prosseguir o crime, dirigir a instrução do processo, promover o processo e execercer acção penal não pode, obviamente, ser a mesma a decidir sobre a medida de coação pessoal a aplicar ao arguido. Deve ser uma entidade diferente e esta entidade é somente o Juiz. Aliás, aplicar uma medida de coação significa aplicar o direito e esta é uma prerrogativa exclusiva do Juiz em homenagem ao princípio da exclusividade do exercício do poder judicial pelo Juiz.

5.Em terceiro lugar o artigo 3.º da Lei n.º 25/15 viola o n.º 3 do artigo 9.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que é parte integrante da ordem jurídica angolana nos termos conjugados dos artigos 13.º e 26 da CRA. O n.º 3 do artigo 9.º do (PIDCP) estabelece que “toda a pessoa detida ou presa devido a uma infracção penal será presente, no mais breve prazo, a um juiz ou outro funcionário autorizado por lei para exercer funções judiciais (…).”

6.Em relação ao Juiz não há nada a contestar. Mas será que o outro “funcionário autorizado por lei” poder ser o Magistrado do Ministério Público? A resposta é negativa e vem plasmada na CRA ao consagrar nos artigos 174.º e 186.º o sistema processual penal de matriz acusatória. O Ministério Público como já nos referimos dirigi a instrução processual penal, promove o processo penal e é titular da acção penal, logo não deve exercer funções judiciais sob pena de violação do princípio nemo judex in causa sua (ninguém pode ser juiz em causa própria).

7.Parcialmente podemos concluir que o artigo 3.º da Lei n.º 25/15, no que diz respeito aplicação das medidas de coação pessoal ( obrigação de apresentação periódica às autoridades, a caução, a proibição e a obrigação de permanência em local concreto e a proibição de contactos, a interdição de saída do país e a prisão preventiva) com excepção do (termo de identidade e residência) é inconstitucional pelas razões supra apresentadas assim como também todos os artigos da Lei n.º 22/12 de 14 de Agosto (Lei Orgânica Da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público), que tratam sobre a mesma matéria.